InícioAnimais & PlantasMá difusão do conhecimento científico - prejuízos para a Ciência

Má difusão do conhecimento científico – prejuízos para a Ciência

Hoje quero fazer um post muito interessante, vou falar um pouco sobre os sites “”virais” que estão o tempo todo produzindo as famosas “listas 10” que reúnem diversas informações e curiosidades sobre os animais.
 
Já começo dizendo aqui que elaborar uma lista com animais e suas curiosidades é extremamente educativo, claro, desde que seja feita de forma correta, sem erros.
 
Ninguém é obrigado a ser um biólogo para saber tudo sobre os animais, porém se vai criar um conteúdo, que seja de boa qualidade e com informações reais e científicas. Já encontrei EXTREMOS erros em sites de “ciência” porque os seus conteúdos são publicados por jornalistas ou pessoas que não tem conhecimento acerca daquilo que publica.
 
 
 
Um grande caso que eu não curti nem um pouco foi o do Hypscience, com o título “As 12 salamandras mais bonitas do mundo“. Visitando o site, achei bacana o título, e fui ver o post. Logo de cara já foi abordado tudo sobre as lagartixas, inclusive com uma imensa foto de uma.
 
Na época, eu publiquei o erro na página do EQB:
 
Clique na imagem para ampliar.
 
Somente depois de um tempo, com dezenas de comentários dos próprios leitores, eles substituíram somente as palavras “salamandras” do texto por “lagartixas”. Tudo bem, errar é humano, faz parte, mas não para um site que se diz científico e divulga ciência.
 
Vejamos mais sobre o site:
Facebook: 138.708 fãs
Twitter: quase 9.000 seguidores
(no momento do acesso 02/05/13).

Visitantes mensais: 3.300.000 / cerca de 57.000 por dia

Total de posts: 8,4 mil
Você pode ver que é um site muito reconhecido pelos leitores e com certeza tem um conteúdo bom. Espere ai…Bom? Será?
 
Muitos sites se preocupam em divulgar a ciência “de forma fácil para ser entendida pelos leigos” e não é assim que funciona. Cada um adota o seu tipo de escrita e a forma de abordar as palavras para fazer um leigo “entender” um assunto. Porém, muitos, como no caso deste site, não tem conhecimento algum sobre o que vão escrever e desta forma o conhecimento passa a ser perdido e a confiabilidade do site para com seus leitores também.
 
 
Este não foi o único erro cometido pelo site, infelizmente já vi muitos outros. O que eu observei foi que muitos são erros bobos, mas como o site tem um padrão de “qualidade”, nenhum erro deste tipo deveria ser cometido, principalmente por existir uma equipe por trás dele, formada por diversas pessoas e também por estarem divulgando informações para mais de 57.000 pessoas por dia.
 
Hoje, após tantos comentários, o site corrigiu o post.

Ah, só pra constar:
> Salamandra: Anfíbio
> Lagartixa: Réptil

 
 
Um outro caso muito interessante que eu encontrei, foi as “listas 10” de animais, do site O verso do Inverso. Visitando o post: 10 Herbívoros que você deveria ter medo, eu encontrei um grande erro, sobre os queixadas.
 
Já mencionei nos posts seguintes o quanto os queixadas são importantes para a natureza e como raramente atacam (somente quando provocados):
 
Porém, o autor do site não se preocupou em pesquisar mais sobre estes animais, e com o âmbito de ter um “bom post” sobre os animais herbívoros sangrentos e assassinos, ele fez isso:
 
Clique na imagem para aplicar e leia com atenção
 
Caramba! Que queixadas são esses? De 500 a 1000 indivíduos? Dentes afiados que funcionam como tesoura?
 
HUM? Vamos lá, veremos o que a literatura diz.

Claro que os bandos podem ter mais de 100 indivíduos, isso é bem comum, tanto é que vários autores falam isso, como Kiltie & Telborg (1983), Altricher e Almeida (2002) e Keuroghlian et al (2004).

Em sua tese de Doutorado com o título “ECOLOGIA MANEJO E CONSERVAÇÃO DO QUEIXADA Tayassu pecari NO PARQUE NACIONAL DAS EMAS E EM PROPRIEDADES RURAIS DE SEU ENTORNO”, a Bióloga Drª. Anah Tereza Jácomo encontrou vários bandos nessa região, porém o bando maior tinha cerca de 150 indivíduos.

Na sua revisão de literatura, ela menciona que os bandos podem chegar a ter até 300 indivíduos, citando os trabalhos de Emmons (1990), Fragoso (1998), Kiltie e Terborgh (1983), Mayer e Brandt, (1982), Mayer & Wetzel (1987) e Sowls (1997).

No estudo de Kilt & Terborgh foram estudados tanto queixadas quanto catetos, no Parque Nacional de Manú (Amazônia do Peru). Dentre os encontros com os queixadas ele menciona que em 6 haviam mais de 100 indivíduos no bando.

Resumindo…
Não digo que não existem bandos de queixadas com mais de 500 indivíduos, pois não sei, tudo que sei é que o valor máximo já encontrado nos trabalhos que li relatam pouco mais de 300 indivíduos. Posso confirmar com certeza que bandos com 1.000 indivíduos não existe.

Conversei com a Bióloga Dr. Alexine do Projeto Queixada e ela me disse “existem relatos na Amazônia de bandos com 200 a 300 indivíduos, mas com 500 nunca vi e não há relatos”.

Esclarecido então este grande erro do site O Verso do Inverso.

O site ainda faz outra afirmação dizendo que vários exploradores perderam parte do corpo pode terem sidos atacados por queixadas.

Conforme cito no post “Queixadas realmente atacam?” relato a experiência que tive com a Alexine e inclusive as observações dos bandos onde ficávamos extremamente próximos. Os queixadas quando nos percebiam, se arrepiavam e mesmo com vários filhotes, corriam de nós.

Poderiam até nos atacar, se estivéssemos cercando-os em algum local, colocando os cachorros para acuá-los, se estivéssemos tentando pegá-los à força e os ameaçando. Isso é óbvio! Qualquer animal ameaçado se defende, nenhum animal é burro para ficar só apanhando sem ao menos tentar se defender. Logicamente, que do modo como estávamos na mata com os queixadas, jamais eles nos atacariam, pois não fizemos nada para incomodá-los. Silêncio é fundamental para observar a natureza.

Resumindo…Papo furado tudo o que o site diz.

E tem mais, além do site relatar que os queixadas são extremamente violentos, ele menciona “…predadores como a puma e o jaguar são espertos o bastante para não atacar uma manada de queixadas”.

Isso não é verdade, na dieta dos felinos de grande porte do pais (onça-parda e pintada) os porcos-do-mato (cateto e queixadas) estão listados como espécies de presas incluídas na dieta das onças. A onça-pintada se alimenta até de jacarés, ela os captura dentro da água e os leva para fora. Um queixada é alvo fácil.

 
Veja neste vídeo o que uma onça faz com um jacaré:
 
Conclusão
 
O conhecimento científico, sob qualquer forma, vale ouro. Mas um conhecimento errado difundido em larga escala não tem valor algum. É ótimo para os donos dos sites que ganham dinheiro conforme aumenta o número de visitas, e péssimo para o leitor que está sendo mal informado.
 
A verdade é que os grandes sites querem criar matérias o com título mais atrativo possível, e, para não desanimar o leitor, empolgam, acrescentam coisas que não fazem sentido algum – inventam.
 
O erro se torna ainda maior e mais feio para o site quando é escrito por alguém que nada sabe sobre o que ia escrever, que possivelmente deu uma rápida lida no Wikipédia e resumiu o que encontrou e o restante do texto escrito fica repleto de “bichinhos”, “fofos”, “lindinhos” e um monte de enrolação. Isso faz com que o leitor chegue e não saia do site, porque tem ainda mais 15.000 tipos de “lista 10” com insetos assassinos, peixes assassinos, borboletinhas mais lindas do mundo, aves assassinas sangrentas e outros posts sensacionalistas e muitas vezes repletos de erros.
 
Eu continuo me esforçando com o EQB para levar à vocês o máximo possível de qualidade no que escrevo. Mas por favor, não acreditem em tudo que lerem nos sites “de conhecimento científico” por ai. Sempre busque desconfie de sites com titulos sensacionalistas.
 

Referências

Altrichter, M. & Almeida, R. 2002. Exploitation of white-lipped peccaries Tayassu pecari (Artiodactyla: Tayassuidae) on the Osa Peninsula, Costa Rica. Oryx 36(2):126-132. http://dx.doi.org/10.1017/ S0030605302000194.
 
Emmons, L. H. 1990. Neotropical reinforest mammals, a field guide. The University of Chicago Press, Chicago.
 
Fragoso, J. M. 1998. Home hange and movement patterns of White-lipped peccary (Tayassu pecari) herds in the norther Brasilian Amazon. Biotrópica, 30 (3): 458-469.

 
Keuroghlian, A.; Eaton, D.P. & Longland, W.S. 2004. Area use by white-lipped and collared peccaries (Tayassu pecari and Tayassu tajacu) in a tropical forest fragment. Biological Conservation, 120: 411–425.
 
Kiltie, R. A., e J. Terborgh. 1983. Observation on the behavior of Rain Forest peccaries in Peru: why do White-lipped peccaries form heds? Z. Tierpsychol., 62: 241-255.
 
Mayer, J. J., e P. N. Brandt. 1982. Identity, distribution, and natural history of the peccaries, Tayassuidae. Pp. 433-455, In: Mammalian biology in South America (M. A. Mares e H. H. Genoways (eds). Spec. Publ. Ser., Pymatuning Lab. Ecol., Univ. Pittsburgh, 6: 1-539.
 
Mayer, J. J., e R. M. Wetzel. 1987. Tayassu pecari. Mammalian Species. 293: 1-7.
 
Sowls, L. K. 1997. Javelinas and other peccaries: their biology, management, and use. Texas A e M University Press. College Station. 2ª ed. 325 pp.
Guellity Marcel
Guellity Marcel
Biólogo, mestre em ecologia e conservação, blogger e comunicador científico, amante da vida selvagem com grande interesse pelo empreendedorismo e soluções de problemas socioambientais.
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