InícioGraduação & Profissão"Se nada der certo, posso dar aulas"

“Se nada der certo, posso dar aulas”

Olá, nobre leitor! Tudo bem?

Desde quando ingressei na universidade, mais precisamente em 2010, tenho ouvido constantemente de muitos alunos e profissionais a infeliz frase “e se nada der certo, posso dar aulas”. Obviamente, isso parece ser bem mais antigo do que imagino e com certeza não deve acontecer apenas na biologia.

Para o desgosto de muitos, está mais do que na hora de falarmos sobre isso.

Antes de mais nada, eu gostaria de deixar bem claro que quero falar aqui sobre o problema e como solucioná-lo e que não tenho a intenção de dar uma lição de moral a ninguém. Entretanto, é importante salientar que é muito antiético e imoral tratar a docência, o ato de ensinar, como um plano D qualquer porque seus planos A, B e C não deram certo.

Quando você diz “e se nada der certo, posso dar aulas”, você está se preparando para ser aquele professor que todos da sala não gostam, por ter uma aula sem graça, sem didática e ânimo, agindo com total desprezo aos interesses dos alunos. Para ser professor, é necessário, além da paixão por ensinar, ter muito brilho nos olhos e ter tesão pela coisa.

Se você tem amor à sua profissão e se respeita os professores, sugiro apenas que você não saia por aí dizendo essa frase. Dar aulas não é para qualquer um. Não se resume apenas à passar slides e dizer o que você entendeu sobre determinado assunto. Quantas aulas memoráveis você já teve ao longo de todos os anos de estudos? E quantas aulas ruins você já teve? Perdeu as contas também? Isso acontece porque para muitos, a docência é sempre o último recurso, pra não fazer qualquer outra coisa, a pessoa despreza a docência e se joga numa sala de aula como se ensinar fosse a coisa mais fácil do mundo.

Você precisa amar definitivamente a docência, carregando a responsabilidade de formar mentes criativas, revolucionárias e inovadoras, para fazer do mundo um lugar melhor. Isso é tão verídico, e a importância de um bom professor tão inquestionável, que eu tenho certeza que você não iria querer estudar, ou sequer gostaria que seus filhos estudassem, com alguém que está dando aulas porque nada deu certo na vida, só para não ficar desempregado.

Ou seja, não faz sentido algum dizer essa frase chula, não é mesmo?

Toda vez que ouço essa frase, sinto uma mistura de raiva e tristeza. Sinto raiva porque ela fere diretamente os profissionais que escolheram educar e vivem por amor a rotina da docência – que como sabem não é nada fácil para a maioria dos professores – e tristeza porque a ausência de oportunidades de carreira na biologia obriga os alunos a procurarem outras alternativas para fazer o que gostam sem necessariamente deixar a biologia de lado.

Para você entender onde quero chegar, eu listei os motivos pelos quais essa frase tem sido propagada cada vez mais e com base nisso tentarei mostrar algumas soluções para fazer com que as pessoas se sintam realizadas em suas áreas sem necessariamente ter de recorrer à docência como um plano D. Acredito que o que torna a biologia pouco diversificada em termos de oportunidades de carreira são os seguintes fatos:

  • Universidades focadas apenas em docência e pesquisas
  • Dependência dos profissionais por concursos públicos
  • Ausência de fomento ao empreendedorismo
  • Áreas pouco exploradas
  • Ausência de autonomia profissional

A mistura desses fatores dificulta a exploração das diversas áreas das Ciências Biológicas, reduzindo as oportunidades de carreira, formando profissionais com um perfil extremamente limitado: docentes ou pesquisadores. Mas a biologia é mesmo só isso?

Pelo fato da graduação focar em formar futuros professores ou pesquisadores, abrir um negócio e vender o que o biólogo sabe fazer de melhor é ainda uma tarefa desafiadora. Como conseqüência, não há nada sobre empreendedorismo sendo abordado na graduação e por isso a maioria dos estudantes e profissionais na biologia sonha com concursos públicos. A limitação da graduação, dada a sua ênfase em docência e pesquisas, tira a autonomia que o profissional deve ter para ser e fazer o que bem entender dentro das áreas de atuação das Ciências Biológicas.

Na ausência do empreendedorismo para estruturar e criar oportunidades de trabalho, os concursos públicos parecem ser a única opção para fazermos o que gostamos. Mas isso não é verdade! Basta olhar para todas as outras profissões e ver que a maioria dos profissionais não está se preocupando exatamente com concursos, mas sim em como irão vender o que sabem fazer através de seus negócios próprios.

O biólogo não é nem um pouco diferente dos demais profissionais. Portanto, essa ideia errônea de que devemos focar em concursos e de dar aulas caso nada dê certo deve parar de ser disseminada. Se queremos uma profissão com mais oportunidades de emprego, devemos criar empregos e não reclamar da falta deles!

Esse é um desafio e tanto mas tenho convicção de que para acabar com essa frase infeliz na biologia, o melhor caminho é o fomento ao empreendedorismo no curso de formação de biólogos. Precisamos de biólogos ousados, que queiram literalmente viver aquilo que amam, buscando retorno financeiro posteriormente.

Imagine quantas coisas incríveis nós podemos realizar se nos unirmos em busca de soluções criativas e rentáveis para problemas sanitários, doenças, perda da biodiversidade, mudanças climáticas, economia verde etc. É possível ganhar dinheiro e fazer coisas boas pelo planeta e pelas pessoas – basta sairmos da caixinha e ousarmos!

E só para deixar claro, sempre que a frase “e se nada der certo, posso dar aulas” vier em sua mente, lembre-se que você está deixando seus sonhos para trás e se tornando um forte candidato a péssimo professor, desrespeitando todos seus professores que por anos e anos tem vivido intensamente a paixão de ensinar. Docência é para quem ama!

Guellity Marcel
Guellity Marcel
Biólogo, mestre em ecologia e conservação, blogger e comunicador científico, amante da vida selvagem com grande interesse pelo empreendedorismo e soluções de problemas socioambientais.
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