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Novo estudo resolve a árvore evolutiva da ordem Orthoptera

A ordem Orthoptera – que inclui os grilos, gafanhotos, as esperanças e outros semelhantes, é um grupo enorme e diversificado de insetos alados com mais de 25.000 espécies, muitas das quais são cientificamente e economicamente importantes. Devido ao seu tamanho, a compreensão das relações evolucionárias da ordem Orthoptera é importante, mas, até recentemente, a taxonomia hipotética do grupo era desorganizada e incoerente. Um passo gigante para corrigir este problema foi dado, conforme relata o mais novo estudo sobre as relações evolutivas dos Orthoptera, publicado na revista Cladistics por Hojun Song da Texas A&M University e seus colegas.

Análises prévias da taxonomia dos Orthoptera foram baseadas em características físicas, ou em evidências genéticas a partir de um número relativamente pequeno de amostras. O problema com o uso de traços físicos para inferir relações evolutivas é que os organismos podem ter profundas semelhanças físicas em forma e não por ascendência comum, mas por pressões seletivas semelhantes decorrentes de ambientes semelhantes – um processo conhecido como evolução convergente. Ao olhar para as sequências de DNA, por outro lado, os cientistas podem inferir relações evolutivas muito mais precisas, porque semelhanças no código genético refletem mais fielmente as relações evolutivas. Com estudos de DNA, quanto maior for o número de amostras, mais abrangente se torna a análise.

O estudo molecular mais extenso da filogenia dos Orthoptera antes do estudo de Song foi realizado por Paul Flook e colegas em 1999. O estudo de Flook foi realizado com 31 táxons Orthoptera e apenas três loci genéticos. Já no estudo de Song, as amostras de DNA foram obtidas de 254 táxons diferentes de Orthoptera. Por sua evidência genética, Song e seus colegas utilizaram todo o genoma mitocondrial, bem como uma amostra de DNA do núcleo. As mitocôndrias são organelas dentro das células eucarióticas que possuem seu próprio DNA, separado do DNA encontrado no núcleo da célula. O DNA mitocondrial, segundo os pesquisadores, é remanescente de uma endossimbiose que ocorreu entre as bactérias e os seres eucariotos. A vantagem do DNA mitocondrial é que, sendo vestigial, é menos sujeito a estabilização frente às pressões seletivas que resistem à mudança genética, de modo que o DNA mitocondrial muda mais rapidamente, proporcionando, assim, um critério mais refinado para inferir ramificações em uma árvore evolutiva. Usando todo o genoma mitocondrial, Song e seus colegas foram capazes de resolver as relações evolutivas dos Orthoptera em escalas de tempo mais amplas.

Com as suas amostras de DNA, Song e colegas reconstruíram a filogenia dos Orthoptera utilizando a ciência da cladística, que infere relações evolutivas com base no número de caracteres comuns. Song utilizou duas técnicas diferentes: o critério de parcimônia cladística e a máxima verossimilhança. O critério de parcimônia é uma ferramenta que olha para a hipótese taxonômica mais simples possível e a máxima verossimilhança é uma ferramenta estatística que calcula a probabilidade de árvores evolucionárias particulares surgirem à partir da árvore com a mais alta probabilidade. Song colocou todos os dados juntos e os chamou de “filogenia de evidência total”. A filogenia resultante é muito mais robusta do que as árvores anteriores construídas para os Orthoptera. Os resultados da análise de DNA foram então calibrados com informações fósseis para determinar as datas em que os subgrupos na árvore ramificada foram separando uns dos outros.

Song examinou à fundo os dois principais ramos evolutivos na ordem Orthoptera: a subordem Ensifera e a subordem Caelifera. A figura abaixo (clique para ampliar) ilustra estas subordens como os dois principais ramos da árvore dos Orthoptera. A coluna de nomes à direita da árvore lista as famílias nestas subordens. A ordem Mantodea – os louva-a-deus – mostrada no topo, é o que os biólogos evolucionistas chamam de um grupo externo, que são usados ​​para comparação à fim de refinar a análise filogenética. A subordem Ensifera inclui os grilos, as esperanças e seus semelhantes, e a subordem Caelifera inclui os gafanhotos e seus semelhantes. Os membros dentro de cada um desses grupos descendem de um ancestral comum exclusivo para cada subordem – o que os biólogos evolucionistas chamam de grupo monofilético, ou clade.

Novo estudo resolve a árvore evolutiva da ordem Orthoptera

A análise dos dados genéticos e fósseis revelaram que a ordem Orthoptera foi originada no período Carbonífero (350-300 milhões de anos atrás) e as duas subordens divergiram no Permiano (~300-250 milhões de anos atrás). A análise encontrou seis superfamílias dentro da subordem Ensifera e nove superfamílias dentro de Caelifera (superfamílias são um grupo taxonómico acima do nível de uma família e abaixo do nível de uma subordem). O estudo de Song fornece o que é, de longe, a filogenia mais rigorosa e abrangente dos Orthoptera até agora. Song fez inúmeras descobertas importantes sobre padrões específicos de relações e divergências em subgrupos de Orthoptera.

Os grilos (superfamília Grylloidea) divergiram de outros ortópteros no período Triássico (~250-200 milhões de anos) e continuaram divergindo ao longo do Triássico e Jurássico (~200-145 milhões de anos atrás). Com mais de 4.800 espécies vivas hoje, eles são o terceiro grupo mais diversificado na ordem. Uma característica fundamental dos grilos – a característica pela qual os conhecemos – é a sua música. Eles utilizam a comunicação acústica para encontrar companheiros, e, assim, suas canções são moldadas pela seleção sexual. Traços sob seleção sexual tendem a divergir rapidamente e, assim, a comunicação acústica pode ser um fator de divergência rápida observada em grilos.

As esperanças (superfamília Tettigonioidea) evoluíram no período Cretáceo (145~65 milhões de anos atrás) e se diversificaram ao mesmo tempo em que as plantas com flores foram se diversificando. Elas são o segundo grupo de ortópteros mais diversificados, com mais de 7.000 espécies. As asas das esperanças são vistas por muitos como parecidas com as folhas das plantas com flores, e fornecem camuflagem contra predadores. Sabemos que as asas em forma de folha pode proporcionar uma vantagem seletiva através de camuflagem no presente, mas não sabemos se as asas em forma de folhas evoluíram por esta razão no passado. No entanto, as asas em forma de folha evoluíram independentemente várias vezes nas esperanças e isso fornece suporte para a hipótese de que elas evoluíram por serem importantes na camuflagem destes organismos.

Novo estudo resolve a árvore evolutiva da ordem Orthoptera2

Os gafanhotos (superfamília Acridoidea) são o grupo mais diversificado dentro da ordem Orthoptera, com cerca de 8.000 espécies atuais. Eles divergiram em meados da tarde Era Cenozóica (~65 milhões de anos atrás até o presente), e são, portanto, o grupo mais recente das superfamílias ortópteras. Sua evolução coincidiu com a origem e radiação das pastagens. Todos os gafanhotos são herbívoros, e gafanhotos são grandes consumidores de pastagens.

Outro achado intrigante do estudo foi que, enquanto houve uma taxa relativamente constante e lenta de diversificação na ordem Orthoptera ao longo do tempo, houveram três casos em que houve uma alta taxa de divergência evolutiva. Um deles foi uma rápida diversificação do Cenozóico que ocorreu no ramo que contém as famílias Acrididae, Romaleidae e Ommexechidae (o nó do evento de diversificação é indicado pelo menor dos três pontos pretos, indicados pelas setas pretas verticais na figura acima). Houve também um aumento na taxa de diversificação na família Pamphagidae (indicado por meio dos três pontos negros na figura). Além disso, houve um caso de rápida diversificação no ramo que contém as famílias Tettigoniidae, Rhaphidophoridae, Prophalangopsiadae, Anostostomatidae, Gryllacrididae, e Stenopelmatidae (indicado pelo mais elevado dos três pontos pretos na figura).

Em seu estudo, Song e seus colegas fizeram valiosas descobertas que refinaram a nossa compreensão da filogenia dos ortópteras. Porém, ainda há muitas questões para investigação adicional. Quais são potenciais próximos passos na investigação da evolução dos ortópteras? Uma medida prática seria a de obter mais amostras de DNA da infraordem Gryllidea e executar análises filogenéticas sobre este grupo, e comparar com outros grupos neste estudo. Outra questão relaciona-se com os três nós, onde foi observada uma rápida diversificação: Por que houve divergência rápida nestes casos? Em um nível maior, uma coisa que intriga particularmente o Dr. Song é a evolução da comunicação acústica em ortópteros.

“Os grilos cantam, as esperanças cantam e até mesmo os gafanhotos cantam”, disse Dr. Song em uma entrevista. “Eles usam diferentes mecanismos para gerar e receber o som. Como a comunicação acústica evolui e se diversificou, e em que contexto?” Todas estas perguntas irão fornecer um terreno fértil para futuros trabalhos sobre a ecologia evolutiva do grupo.

Guellity Marcel
Guellity Marcel
Biólogo, mestre em ecologia e conservação, blogger e comunicador científico, amante da vida selvagem com grande interesse pelo empreendedorismo e soluções de problemas socioambientais.
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