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A História da Biologia: o livro que todo biólogo deve ler

Frequentemente tenho respondido muitos leitores que me procuram pedindo por indicações de livros com temas gerais sobre biologia. Eu sempre recomendo livros como A Origem das Espécies, A Dupla Hélice, Alfabetização Ecológica, Teia da Vida, O Gene Egoísta, Fome de Saber, A Vida Secreta das Árvores, Diversidade da Vida, Fundamentos em Ecologia e dentre outros títulos de autores que eu admiro, principalmente os que são escritos por Edward O. Wilson, Richard Dawkins e Fritjof Capra.

Recentemente a editora M. Books me enviou como cortesia o livro A História da Biologia e eu me surpreendi com muitos detalhes e momentos marcantes que eu desconhecia sobre a origem e o desenvolvimento da nossa profissão. Por esta razão, decidi não apenas recomendar esse livro a todo biólogo ou estudante de biologia, como também fazer um resumo bacana sobre os principais pontos abordados no primeiro capítulo.

A História da Biologia é dividida em 8 capítulos que se desenvolvem ao longo cerca de 200 páginas. Portanto, é um livro de leitura rápida, quando comparado aos tradicionais livros teóricos que estamos acostumados a ler. Decidi resumir o capítulo I para instigá-los a lê-lo. Bora lá?

A autora inicia o livro descrevendo como os filósofos antigos pensavam a respeito da vida na terra e como eles buscavam explicações para o que viam. Dentre eles, Aristóteles foi um dos que mais contribuiu com o desenvolvimento do que hoje podemos chamar de biologia – tendo grande participação no ramo da taxonomia.

Classificar a Vida

Aristóteles (384-322 a.C.), se dispôs a distinguir os animais publicando História dos Animais e posteriormente buscou explicar as características observadas em Das partes dos Animais. Para ele, o mundo natural se resumia em três “coisas”: animais, plantas e vegetais. Ele buscava identificar padrões nas formas vivas (modo de reprodução, órgãos, tecidos, comportamento, meios de locomoção etc), visando por ordem nas informações observadas na natureza. Era contra as classificações aleatórias e dizia ser necessário manter uma linha constante de relações em todo o sistema, agrupando os animais conforme as principais características que os tornavam semelhantes – iniciando a classificação dos organismos. Por esta razão, podemos dizer que a taxonomia começou na Grécia Antiga, com suas publicações.

Aristóteles via as estruturas de um animal, seus processos fisiológicos e comportamento como necessários para cumprir as funções que a forma (alma, essência ou natureza) do animal exigiam. O crocodilo, ao seu ver, tinha um rabo potente porque precisava dele para se mover rapidamente pela água. A ave, por sua vez, tinha asas porque precisava delas para voar. Para ele, as estruturas dos animais existiam porque eles precisavam delas para sobreviver.

Embora essas ideias pareçam muito simplistas hoje em dia, isso era um grande avanço para o pensamento da época, já que as primeiras ideias evolucionistas só iriam surgir mais de mil anos depois. Além disso, a visão que predominava na época era teologista, de que tudo foi criado por um Deus e com o propósito de servir ao homem. Isso dificultava discussões e desenvolvimento de pensamentos que buscassem explicações factíveis para o que as pessoas observavam na terra. Em linhas gerais, o ser humano era o ápice do desenvolvimento biológico no planeta e todas as outras formas de vida existiam com a finalidade de servi-lo, fornecendo alimento, transporte, produtos medicinais etc.

Resumidamente, a essência do pensamento de Aristóteles era a alma dos organismos. A alma ditava o grau de complexidade e organização dos seres, pois ele acreditava que cada animal tinha um tipo de alma que ditava as suas necessidades. Assim, o ser humano tinha uma alma superior, podendo raciocinar, se locomover, reproduzir e sustentar a vida; os animais podiam mexer, crescer e sustentar a vida; mas as plantas só podiam crescer e sustentar a vida. Essa forma de enxergar o mundo foi o que chamou de Scala Natura.

A Grande Cadeia do Ser, representada em 1579, põe Deus no alto, os anjos abaixo e depois os seres humanos no topo da cadeira de criaturas terrenas..

De Aristóteles em diante, nada mudou em grandes proporções. Ao contrário, no século III d.C., os neoplatônicos acrescentaram novos degraus na Scala Natura, acomodando os deuses acima da humanidade. Posteriormente, no início da Idade Média (século V), o filósofo Pseudo-Dionísio, o Areopagita, cristianizou o sistema, substituindo os deuses pagãos por anjos e o Deus cristão. A partir da Idade Média, a Scala Natura passou a ser chamada com mais frequência de Cadeia do Ser, tendo Deus no alto, seguido de anjos, humanos, animais, plantas e a matéria inanimada como metais e pedras.

As Primeiras Enciclopédias e a Origem da Zoologia

A ideia teologista para a explicação da vida na terra predominou por muito tempo.

Nada de real importância aconteceu na biologia de Lucrécio e Galeno ao Renascimento. Ernst Mayr (1904-2005).

O século XVI assistiu a uma revolução nas ciências. De repente, a sabedoria dos antigos foi questionada em muitas esferas. Copérnico (1473-1543) derrubou a visão ptolomaica do sistema solar, com a terra no centro, e pôs o sol em seu devido lugar. O explorador Américo Vespúcio (1454-1512) mostrou que as Américas eram uma nova massa terrestre continental, antes desconhecida, e não uma parte da Ásia. André Versálio provou que Galeno e seus experimentos macabros estava errado em muitos aspectos do corpo humano. Contra esse pano de fundo, o médico, botânico e historiador suíço Conrad Gessner trouxe a biologia à era moderna.

Gessner fez a ponte entre as abordagens antigas e moderna da investigação da natureza. Ele escreveu o primeiro texto zoológico que tentou seriamente manter o rigor científico, com descrições abrangentes de todos os animais conhecidos, dando origem ao Historiae animalium. Com mais de 4.500 páginas, os quatro volumes de sua obra foram publicados entre 1551-1558, abordando mamíferos, anfíbios, aves e peixes. O quinto volume, sobre cobras, saiu em 1587, depois de sua morte. Ele fazia relatos extensos dos animais ao lado de seus usos (alimento, remédio e assim por diante). Grande parte de sua contribuição à biologia deve-se ao fato de que Gessner tinha 4 princípios que guiavam suas pesquisas: observação, dissecação, viagens e descrições precisas.

Cômodo de uma casa repleto de animais. plantas e objetos mantidos por colecionadores e exploradores.

Ainda no século XVI foi moda entre os ricos manter um cômodo da casa como um “gabinete de curiosidades”, conhecido como Wunderkammer. Nesse local eram expostos vários animais empalhados e objetos. Frequentemente eram vistos chifres de narvais nas paredes, catalogados por alguns como sendo de unicórnios, ou até mesmo fetos preservados e desenhos de animais e humanos desconfigurados. A partir disso, algumas pessoas foram além e passaram a formar zoológicos de animais incomuns. Infelizmente, em geral, os animais não recebiam os cuidados corretos e acabavam morrendo. O mesmo entusiamo se estendia às plantas e alguns botânicos viajavam o mundo em busca de espécimes para o próprio jardim ou para o jardim de seus patronos.

John Tradescant, o velho (1570-1638), e o jovem (1608-1662), viajaram pela Europa e América em busca de flores raras, plantas, conchas e vários outros organismos para os jardins do rei inglês Carlos II. Eles foram os primeiros a conhecer o valor das coleções científicas e abriram a sua para o público em Londres. Com a morte do Tradescant jovem, sua coleção foi doada à Universidade de Oxford e o Museu de Ashmolean foi fundado para abrigá-la. Ela ainda está aberta a visitação.

Foi durante o século XVII que começaram as grandes expedições pelo mundo em busca de espécimes para catalogar e expor em coleções de museus e universidades. Um dos primeiros e mais influentes naturalistas dessa tradição foi o clérigo inglês John Ray (1627-1705). Ele e outros naturalistas viajaram pela Europa em 1666 e retornaram com milhares de espécimes, buscando criar um sistema de classificação do mundo natural. Ray escreveu extensivamente sobre plantas, mas seu grande esquema de classificação ficou inacabado. Ainda assim, ele foi o primeiro a dar a definição formal de “espécie” e seu catálogo de plantas publicado em 1670 foi a base para os trabalhos posteriores sobre a flora na Europa.

Sistema de Classes

O que Ray poderia ter feito foi completado um século depois pelo botânico sueco Carl Linneus ou Lineu (1707-1778). Ao invés de reunir um número massivo de plantas como os outros fizeram, ele buscou catalogar o maior número de plantas que tivesse notícia, buscando semelhanças e diferenças entre elas, identificando-as em espécies. Em 1749, ele imaginou a nomenclatura de uma espécie em duas partes, conforme ainda é usada hoje para designar os organismos. Ele trabalhou focando na afirmativa de que as plantas tinham sexos separados. Ele dividiu as plantas com flores segundo a forma dos estames e as subdividiu de acordo com o número de pistilos de cada uma. Isso era limitado, mas o estimulou a prosseguir até encontrar um sistema que pudesse ser ampliado.

Em seguida, Lineu reuniu todas as espécies e as agrupou em gêneros relacionados. Criou um sistema que dava nome ao gênero e outro para designar a espécie. Por esta razão, Lineu é considerado o pai da taxonomia. Assim, quando vemos o nome de um animal, como o da onça-pintada (Panthera onca), Panthera é o gênero e onca é a designação para a espécie. Esse sistema deixou para trás o sistema de Aristóteles, que era muito longo, pois ele dizia que o segundo nome deveria ser preciso o suficiente para identificar aquele organismo de todos os outros do gênero. Por exemplo, o nome de um tomate encontrado na Europa no século XVI era Solanum caule inerme herbaceo, foliis pinnatis incises, raconis simplicibus, que significa “Solanum com caule herbáceo liso, folhas pinadas cindidas e inflorescência simples”. O nome de Lineu é muito mais simples: Solanum lycopersicum.

Lineu acreditava piamente que depois de classificar todos os organismos, o serviço da taxonomia estaria completo para sempre. Ele achava que os organismos não mudavam e que tudo fora fixado na Criação e de lá para cá era tudo igual. No entanto apesar de religioso, Lineu foi o primeiro a sugerir que seres humanos e primatas são equiparáveis em algum ponto da classificação animal e de que nossa espécie não seria diferente dos demais animais.

Assim, a Cadeia do Ser mostrou-se insuficiente para organizar a vida na terra e Lineu acabou deixando seu marco na classificação dos organismos. Embora seu sistema tivesse estrutura hierárquica como a de Aristóteles, isso não sugeria que uma espécie era melhor ou pior que a outra. Ele dizia que cada organismo pertencia ao reino Animal ou Vegetal e que dentro deles os organismos poderiam ser acomodados em classe, ordem, gênero e por fim espécie. Lineu listou os minerais como um terceiro reino, como Aristóteles, mas não os considerou coisas vivas. Para Lineu, haviam 6 classes:

  • Mammalia
  • Aves (Lineu foi o primeiro a classificar morcegos como mamíferos e não aves)
  • Amphibia (anfíbios, répteis e alguns peixes não ósseos)
  • Pisces (peixes ósseos como os peixes de nadadeiras espinhosas; baleias e peixes-boi foram também classificados como peixes)
  • Insecta (todos os artrópodes)
  • Vermes (os invertebrados restantes, divididos grosseiramente em vermes, moluscos, equinodermos e outros).

Em seu sistema havia muitas ordens em cada classe, como a ordem Crocodilia, que inclui todos os animais semelhantes ao crocodilo. Dentro da ordem, o gênero especifica o tipo do animal – como o crocodilo (Crocodylus) e os jacarés (Cayman). E, por fim, a espécie, que poderia ter um nome mais específico ao local onde o organismo era encontrado ou seu modo de vida – como o crocodilo do Nilo (Crocodylus niloticus). Esse sistema, com o passar dos anos, foi aprimorado e grande parte de seus esforços foram de grande valia na construção e organização do conhecimento sobre a vida na terra.

A partir do século XVII, a invenção do microscópio apresentou ao mundo um universo de formas de vida ainda desconhecidas. Entretanto, além de completa, a Criação de Deus era considerada imutável e se tudo tinha um lugar na hierarquia na Grande Cadeia do Ser, haveria também um lugar para estes organismos.

“Os microrganismos preenchem o espaço que a natureza deixou entre a molécula orgânica simples e viva, de um lobo, e os animais e vegetais do outro. Essa sequência, essa cadeia do ser que descende do animal mais superiormente organizado à simples molécula orgânica, admite todos os graus possíveis, todas as nuanças inimagináveis”. Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon (1777).

Os organismos recém-descobertos se encaixavam na cadeia, mas cada vez mais questões surgiam conforme novas provas sobre as mudanças nos seres apareciam, abalando o modelo de hierarquia do ser que se arrastava por mais de dois mil anos.

Comparando, analisando e ilustrando fósseis, Gessner publicou em 1565 Historiae animalium e De rerum fossilium (Dos Objetos Fósseis). Esta última obra foi considerada o primeiro tratado de paleontologia, já que Gessner passou anos reunindo todos os registros fósseis que conseguiu viajando pela Europa. Ele acreditava que suas pesquisas dariam origem a uma grande obra sobre fósseis, mas infelizmente morreu de peste antes de poder dar continuidade aos seus estudos. Ele conseguiu identificar vários fósseis que considerou serem semelhantes a animais existentes, enquanto outros foram considerados grandes enigmas.

Geoges-Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788), publicou o primeiro volume de sua ambiciosa e incompleta obra – Histoire naturelle. Ele pretendia construir a mais completa enciclopédia sobre plantas, animais e minerais e escandalizou Paris quando disse que a terra era muito mais antiga do que se acreditava (4004 a.C.), dizendo ainda que os animais mudaram no decorrer do tempo. Sua opinião foi condenada pela sociedade e Leclerc se retratou publicamente, mas continuou a publicar seus estudos sem alterações. Ao notar que haviam espécies similares ocorrendo em partes distintas do mundo, ele sugeriu que os animais tiveram origem em um mesmo lugar e se espalharam pelo planeta, se adaptando às condições locais. Também teorizou a respeito da influência do clima nas adaptações dos animais.

Por mais impopulares que fossem, as ideias de Leclerc tiveram grande influencia. Georges Cuvier (1769-1832), foi um de seus seguidores. Considerado o fundador da paleontologia dos vertebrados, ele foi o primeiro a fornecer provas convincentes de extinção e demonstrou que animais grandes como preguiças-gigantes e mamutes, preservados em fósseis, não eram criaturas vivas daquela época, já que eram grandes demais e poderiam ser vistos facilmente se de fato estivessem vivas.

Deu trabalho, mas ele conseguiu mostrar que de fato existiram vários animais, alguns gigantes, inclusive, que ocuparam a terra por muito tempo antes da nossa espécie. Com apenas 26 anos, ele apresentou seus trabalhos em 1796. Em 1812, Cuvier apresentou provas incontestáveis da mudança no decorrer do tempo, com fósseis mais antigos nos estratos rochosos mais profundos e fósseis mais recentes nos estratos próximos da superfície. Embora não pudesse e nem tentasse explicar, ele deixou claro que os animais podem e realmente mudam ao longo do tempo. A cadeia do ser não era mais um modelo sustentável do mundo natural.

Da Cadeia à Árvore

A única ilustração do livro A Origem da Vida, de Charles Darwin, sobre a evolução, mostra a “árvore da vida”. Ela apareceu pela primeira vez como um esboço em seu caderno e se tornou o ponto onde a taxonomia e a evolução se encontram.

A ideia dessa figura representa as relações que existiam entre organismos vivos e os já extintos. Darwin e outros que teorizavam sobre a evolução viam o mundo natural contemporâneo como consequência de um processo longo e contínuo. Em vez de um modelo de mundo completo projetado por Deus para ser visto como um fato imutável, o que havia por trás do mundo natural era uma sequência casual de processos que poderiam desvendar a história da vida na terra se fossem examinados pela aplicação da razão nos indícios de vida atual e do registro fóssil.

Foi uma mudança de paradigma que até hoje é difícil de entender. Imagine como deveria ser tentar explicar a uma sociedade essencialmente teologista que a baleia, que vive na água e se parece com peixe, é um mamífero muito similar a uma vaca, totalmente distante dos peixes com quem convive em seu habitat. Com certeza, para a época, dizer algo desse tipo era motivo de piada e até mesmo de críticas severas. Mas a ideia de Darwin foi ganhando força e a tarefa da classificação foi mudando – não era mais descobrir onde cada organismo se posicionava num esquema hierárquico, e sim, ver como ele se relacionava com organismos atuais e organismos extintos.

Mais ou menos na mesma época de Darwin e sua teoria da Evolução, outro aspecto da classificação animal ficou ainda mais complicado. Lineu se contentava em dividir os seres vivos em dois reinos, animal e vegetal, deixando os minerais fora da classificação.

No decorrer do século  XIX, com o aprimoramento do microscópio e a descoberta de mais microrganismos, ficou cada vez mais difícil sustentar a ideia de  apenas dois reinos nos quais todos os organismos vivos poderiam ser classificados.

Na metade do século XIX, os microrganismos eram divididos em protozoários (animais primitivos), protófitos (plantas primitivas), fitozoários (plantas que se parecem com animais) e bactérias. Em 1858, o paleontólogo Richard Owen (1804-1892) definiu plantas e animais e constatou que os protozoários tinham características dos dois, mas sem os “superacréscimos” de um organismo multicelular. Ele se referiu ao Reino Protozoa, em 1860. O naturalista John Rogge fez objeção a este termo, porque na verdade ele só deveria ser aplicado a animais e usou “Protoctista”. Em 1866, Ernest Heackel sugeriu a palavra Protista, usada ainda hoje para este reino.

Haeckel considerava os protistas seres primitivos que não eram plantas nem animais, mas progenitores de ambos. Ele achava que a característica que definia esse grupo era a reprodução assexuada e moveu os fungos e vários outros organismos simples dos reinos animal e vegetal para o reino Protista. Mais tarde, a definição de protista foi refinada, para excluir organismos multicelulares deste reino.

Tudo andou bem nos três reinos (vegetal, animal e protista) durante cerca de 60 anos. Então, em 1925, o biólogo marinho francês Édouard Chatton usou os termos “eucarionte” e “procarionte” para definir os organismos uni e multicelulares com núcleo e os unicelulares sem núcleo. Ele não deu muita importância a isso e os nomes permaneceram sem muita atenção durante várias décadas. Mas em 1962, dois microbiologistas, Roger Stanier e C.B. van Niel, propuseram dividir todos os organismos em procariontes e eucariontes.

Em 1969, o ecólogo botânico Robert Whittaker absorveu a distinção num sistema de cinco reinos que separou os procariontes dos quatro grupos de eucariontes: Monera (procariontes), Protista (eucariontes unicelulares), Fungi, Plantae e Animalia. Isso deu aos procariontes um reino só deles, mas continuou relativamente insatisfatório porque, na verdade, o reino Monera é um aglomerado de todos os organismos que não são eucariontes.

Dos Reinos aos Domínios

Na década de 1970, o microbiologista Carl Woese (1928-2012) examinou os genes de vários microrganismos. Ele buscava encontrar sequências genéticas que fossem parecidas em todas as formas de vida, mas acabou descobrindo novas formas de vida com algumas particularidades.

Investigando microrganismos de um lago, ele encontrou diferenças genéticas consideráveis com relação ao que já havia estudado nos organismos de seu laboratório. Os padrões no RNA de um microrganismo que produz metano era muito diferente dos padrões de procariontes e eucariontes. Investigando mais a fundo e coletando em vários outros ambientes semelhantes, ele encontrou ainda mais organismos com características similares – e os chamou de arqueobactérias. Embora estes organismos sejam similares geneticamente às bactérias, hoje as arqueobactérias são chamadas de arqueias, pertencendo ao domínio Archaea. Como Woese as encontrou em ambientes extremos, ele acreditava que eram extremófilas, mas hoje sabemos que as arqueobactérias se encontram no mundo inteiro, em qualquer tipo de ambiente.

O mais interessante de seus estudos é que o fato de estes organismos prosperarem e terem evoluído em ambientes extremos indica que podem ter sido algumas das primeiras formas de vida a ocupar a terra. Em 1977, Woese publicou seus achados e redesenhou a árvore do diagrama taxonômico padrão, para introduzir um novo nível de organização dos seres vivos, o dos domínios. Seu esquema não se baseava nas diferenças morfológicas dos organismos, mas nas relações filogenéticas (vínculos evolutivos baseados em genes), tendo em sua base três domínios: Archaea, Bacteria e Eucaryota.

O fim da Hierarquia

O modelo mais recente para apresentar as relações entre os seres vivos tenta se livrar totalmente da hierarquia que sempre teve o ser humano como ápice da vida no planeta. Nas representações atuais, agora chamadas de filogenéticas, os seres vivos estão em um mesmo plano, organizados em uma árvore repleta de ramificações, construída com base nas similaridades genéticas e evolutivas dos grupos. Desta forma, um Tyranossauro rex, um nemátodo e o ser humano estão no mesmo plano, interligados pela evolução.

A cladística, designação dada à forma de representação dos organismos através de clados (como a árvore da vida de Darwin), foi definitivamente concebida em 1950, pelo biólogo alemão Willi Hennig e sua popularidade aumentou depois da tradução de sua principal obra para o inglês em 1966.

Na cladística, a ideia de “ancestral comum” é fundamental. As espécies são organizadas conforme as características que compartilham de seus ancestrais. Desta forma, quando se diferem significativamente de um ancestral em alguma característica, um novo ramo surge no cladograma, e assim sucessivamente. Assim, ao observar um cladograma, todos os pontos de ramificação indicam um ancestral comum aos grupos subsequentes. Veja o exemplo abaixo, que não está no livro mas ilustra bem esse tema:

A cladística visa mostrar a herança evolutiva em vez de revelar até que ponto os organismos são parecidos ou diferentes, que era o modo como as antigas formas de organização da vida se baseava. Hoje, o cladograma completo dos seres conhecidos na terra é desenhado de forma circular, com todos os organismos no perímetro – não permitindo nenhuma interpretação hierárquica.

A Distinção das Coisas

A definição de espécie, aquela categoria que, em última análise, determina a separação entre organismos, tem sido problemática há séculos, ficando ainda mais complicada com o reconhecimento de que os organismos podem mudar ao longo do tempo. Agora, precisamos não só distinguir organismos que existem ao mesmo tempo, como também identificar e distinguir organismos similares que já não existem mais. Esse problema ainda não foi resolvido.

Hoje, a taxonomia é algo contínuo. Não agrupamos mais os organismos pelas suas formas nem pelo comportamento e modo de reprodução ou locomoção. A taxonomia moderna tenta estabelecer seu lugar no desenvolvimento evolutivo, encontrando também indícios genéticos que revelem a descendência de um ancestral comum. Antigamente poderíamos agrupar morcegos e libélulas porque ambos tem asas, mas atualmente a filogenética determina que a asa do morcego se desenvolveu a partir de um mesmo ancestral que deu origem a pata dianteira de um rinoceronte. Sendo assim, morcegos são mais similares a rinocerontes do que libélulas – e eu acho que isso seria difícil de Aristóteles aceitar.

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Guellity Marcel
Guellity Marcel
Biólogo, mestre em ecologia e conservação, blogger e comunicador científico, amante da vida selvagem com grande interesse pelo empreendedorismo e soluções de problemas socioambientais.
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